quarta-feira, 21 de setembro de 2011

COMPRAS COLETIVAS

Aspectos legais, direitos e deveres das partes para que a compra seja bem-sucedida
O mercado de compras coletivas já provou sua força e tem tudo para continuar com o crescimento apresentado em 2010, quando faturou, aproximadamente, R$ 500 milhões e atingiu índices de mais de mil sites registrados e operando dentro da legalidade.
Somente no início de 2011, de acordo com pesquisas divulgadas pela Comune, um agregador de ofertas oriundas dos sites de compras coletivas, o faturamento do setor foi de R$ 136,85 milhões, com 2,83 milhões de cupons de descontos comercializados. O aquecimento do e-commerce é positivo, mas tanta repercussão assim também pode ser prejudicial, especialmente quando sites e, principalmente, as empresas que ofertam produtos e serviços não estão preparados para atender toda a demanda gerada, podendo colocar em risco a confiança do consumidor no modelo, gerando a situação conhecida como “compra impossível”.
A relação jurídica gera responsabilidades para as três partes envolvidas: o site de compra coletiva (que deve conseguir fechar a proposta ou devolver o dinheiro, buscando parceiros que honrem com a oferta apresentada, bem como garantir que não haja fraude do cupom), o estabelecimento (que precisa cumprir com a venda do produto ou serviço no prazo, condições, preço e qualidade acordados em que toda e qualquer restrição deve estar clara no ato da venda e no próprio cupom) e o consumidor (que precisa estar atento para saber o que está contratando de fato).
O Groupon Clube Urbano, um dos maiores sites do gênero na atualidade, por exemplo, foi condenado a pagar R$ 5 mil de indenização por dano moral a um consumidor que pagou por uma oferta mas não conseguiu utilizá-la. A empresa ainda pode recorrer, mas decisões do gênero ainda podem acontecer, uma vez que esta foi cedida em caráter pedagógico pelo juiz Flávio Citro, do 2º Juizado Especial Cível do Rio de Janeiro.
Para evitar situações semelhantes, o consumidor deve ler os termos de uso e políticas do site, as orientações de uso do cupom (e eventuais restrições), buscando ter o maior número de informações possíveis antes de realizar a compra.
As principais informações que devem ser observadas dizem respeito à validade da oferta e o seu reembolso nos casos de cancelamento ou de desistência do cupom emitido.
É igualmente importante a verificação da idoneidade do fornecedor de produtos ou serviços, checando, principalmente nos órgãos de defesa do consumidor, a existência de incidentes e como se desenrolou a questão, a fim de detectar a postura do fornecedor e a espécie de incidente experimentado. O site organizador de compras coletivas é responsável sempre que o cupom adquirido não puder ser utilizado, uma vez que é ele quem garante a condição da oferta com o preço pago pela oferta (acordado com seus parceiros a partir do momento que se alcança o número mínimo de pessoas). Por sua vez, quando o estabelecimento aceita o ticket normalmente, cabe a ele oferecer de maneira completa os produtos e serviços adquiridos, sob pena de responder pelos danos causados ao consumidor caso haja descumprimento do acordado na descrição do anúncio realizado, ou mesmo qualquer má qualidade na prestação de serviço ou no produto (incluindo a situação de dificuldade de agendamento comum na venda excessiva de serviços que dependam de reserva de horário – restaurante, salão de beleza, spa, entre outros).


Cuidados que o participante de compras coletivas deve ter:


• Observar sempre os Termos de Uso e Condições de Participação da compra;
• Verificar a política de desistência da participação na compra coletiva;
• Conhecer a Política de Privacidade do organizador da compra coletiva para saber o tratamento que este dará aos dados fornecidos;
• Ficar atento à página de pagamento da oferta, checando se opera em ambiente de navegação segura e possui certificados digitais de segurança.
Direitos que o participante de compras coletivas possui:

• Caso o número mínimo de participantes não seja atendido, o comprador deve ser ressarcido pelo que pagou;
• Indenização em caso de falhas na emissão do cupom para aquisição do produto ou serviço oferecido;
• Se o estabelecimento ou fornecedor se recusar a receber o cupom, o organizador da compra coletiva responderá pela recusa;
• Aceitando o cupom de pagamento, cabe ao estabelecimento cumprir com as condições oferecidas, devendo sempre estar previstas previamente as ressalvas para o uso do cupom (dia da semana, horário, validade e outras limitações);
• Caso não consiga cumprir com a oferta fixada, é caracterizada a venda impossível, passível de indenização – exemplo: falta de disponibilidade dentro do prazo de validade do cupom.


Fonte: Patricia Peck Pinheiro Advogados

Aos empresários que decidem participar dos sites de ofertas, é importante alertar para o controle do número de cupons que podem ser atendidos, pois, se forem oferecidos produtos ou serviços acima da capacidade, haverá res­ponsabilidade pelo cumprimento por força de disposição no Código de Defesa do Consumidor e do Código Civil. Deve haver preparo para participar dessa modalidade de vendas, entre elas a necessidade de análise da capacidade de seu negócio de atender a um número elevado de ofertas e estar de acordo com os termos da legislação em vigor, pois ganhar uma reputação negativa é pior do que deixar de vender. Todos devem zelar para garantir a confiança do público nesta nova modalidade e por certo a informação clara, precisa, no local certo gera a maior proteção jurídica para todos os envolvidos.
Além disso, recomendo acompanhar o projeto de lei sobre compras coletivas que foi proposto na Câmara dos Deputados no dia 4 de maio de 2011, o PL 1232/2011, que apresenta as diretrizes para a venda eletrônica coletiva de produtos e serviços por meio de sites na internet e estabelece critérios de funcionamento para essas empresas. Importante ficar de olho para garantir conformidade legal da operação.

 
Patricia Peck Pinheiro

Advogada especialista em Direito Digital, sócia fundadora da Patricia Peck Pinheiro Advogados, autora do livro “Direito Digital”, do audiolivro e do pocket book “Tudo o que você precisa ouvir sobre Direito Digital”, e do audiolivro “Eleições Digitais”, todos da Editora Saraiva. (www.pppadvogados.com.br - www.ppptreinamentos.com.br - Twitter: @patriciapeckadv)

Revista Visão Jurídica #63

Celebração do direito à vida e à dignidade humana

"O Supremo Tribunal Federal, ao reconhecer que o relacionamento estável entre pessoas do mesmo sexo constitui entidade familiar, consolidou o Brasil como um verdadeiro Estado Democrático de Direito, solidificando a igualdade de direitos para todos, independentemente de gênero ou opção sexual."
A importante e histórica decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) não afeta princípios da sociedade ou da família, ao contrário, mais uma vez, na condição de guardião da Carta Magna, o Supremo consagra o texto constitucional e celebra a vida, o direito, a liberdade, tendo como foco principal a dignidade humana.
Foram reconhecidos direitos dentro do campo afetivo, sexual e constitucional de pessoas ou segmentos de uma situação de fato e de uma realidade contra a qual não se pode fechar os olhos ou ignorá-la. A união homoafetiva não constitui crime ou pecado, assim como a decisão do Supremo não é inconstitucional. Na união estável, estamos lidando com duas pessoas maiores e capazes que estão exercendo sua liberdade pessoal.
Com a decisão, os casais homossexuais passam a ter os mesmos direitos e deveres que a legislação brasileira já estabelece para os casais heterossexuais. Isso não é o fim do mundo, da vida ou da família, ao contrário, esses serão melhores para aqueles que, por conta de sua opção derivada do direito à liberdade, tinham negados seus direitos à dignidade como pessoa humana.
Tanto é que, pela legislação atual e por decisões de alguns tribunais, as uniões de pessoas de mesmo sexo já eram tratadas como uma sociedade de fato, como se fosse um negócio, mas havia uma dificuldade enorme quando se discutia a extensão dos direitos. Se tem, agora, os direitos reconhecidos, ela será também submetida às mesmas obrigações e cautelas impostas para os casais heterossexuais.
Além de reconhecer esses direitos que hoje são obtidos com dificuldades na Justiça, a medida põe fim à discriminação legal de um grupo de pessoas, que, como bem destacou a ministra Ellen Gracie, historicamente, foi humilhado, teve os direitos ignorados, a dignidade ofendida e a liberdade oprimida.
Mais do que isso, a decisão é também histórica porque reafirma que a sociedade pode e deve viver melhor, que a convivência deve ser respeitosa, com menos intolerância e mais respeito ao outro e às diferenças. Tudo isso é avanço, e outra manifestação não se poderia esperar da mais alta corte do País, integrada que é por magistrados e magistradas independentes e à altura desse desafio.
Não se trata, como dizem, de ativismo judicial do STF. Se falta uma lei ordinária, isso não é impedimento à aplicação da Constituição, que tem, como eixo fundamental, os princípios da igualdade, da liberdade e da dignidade da pessoa humana. Razão pela qual o Judiciário está autorizado a tomar essa decisão inclusiva, construtiva.
Por mais que o texto constitucional esteja incompleto ou aguardando complementação legislativa, seus princípios foram preservados e consagrados à luz da realidade, porque, como a vida, o direito é dinâmico, e a sociedade também o é.
Mais do que isso, a decisão é também histórica porque reafirma que a sociedade pode e deve viver melhor, que a convivência deve ser respeitosa, com menos intolerância e mais respeito ao outro e às diferenças.
As decisões do Supremo não enfraquecem órgãos ou Poderes, ou ainda, reformam o texto constitucional; antes disso, reafirmam os princípios que o construíram dentro das competências e limites de cada um. Ao antever lacunas e situações como essa, o Constituinte teve a sabedoria e o consenso em definir o Supremo como guardião da Constituição, delegando-lhe a missão de avaliar, julgar e, se for o caso, corrigir o que a contraria.
As decisões do Supremo se destinam a dar concretude às normas constitucionais, que implicam a preservação da harmonia institucional, social e na garantia dos direitos individuais e fundamentais. E esse é também o papel do Judiciário, em todas as instâncias, desde as mais longínquas comarcas até os Tribunais Superiores.
Insisto, não se trata de alterar o texto constitucional ou ignorar seus princípios, mas de interpretá-lo e colocá-lo acima de outras normas e posições que pararam no tempo. Como reconheceu, de maneira brilhante, o ministro Ayres Britto, o artigo 3º, inciso IV, da Constituição Federal, veda qualquer discriminação em virtude de sexo, raça, cor e que, nesse sentido, ninguém pode ser diminuído ou discriminado em função de sua preferência sexual.
Sendo assim, a Suprema Corte nada mais fez do que aplicar os princípios da igualdade, da liberdade e da dignidade da pessoa humana. O contrário, sim, a discriminação, a depreciação da união estável homoafetiva e a desigualação jurídica, é que seria inconstitucional.
 
Revista Visão Jurídica#63